da perna, talvez do ombro.
No esporte ela está sozinha
No bar, quão acompanhada.
diz marxismo, rimmel, gás.
E sequer nos compreendemos.
sustenta cinco mil pobres,
Menos eu… que de orgulhoso
Pensando com unha, plasma,
Nunca a sentei no meu colo
Mas eu sei quanto me custa
e não gritar: Vem, Fulana!
branca, intata, neutra, rara,
feita de pedra translúcida,
de ausência e ruivos ornatos.
digamos, no seu banheiro?
Só de pensar em seu corpo,
o meu se punge… Pois sim.
rogar-lhe que pise em mim,
Que me maltrate… Assim não.
O seu vestido esconde algo?
tem coxas reais? cintura?
Olho: não tem mais Fulana.
o calcanhar rosa e puro.)
em ruas de peixe e lágrima.
Aos boiadeiros: A vistes?
Acaso a vistes, doutores?
Pois é possível? pergunto
aos jornais: todos calados.
E são onze horas da noite,
ou, e será mais provável,
talvez se banhe na Cólquida;
talvez se pinte no espelho
num teatro barroco e louco;
talvez cruze a perna e beba,
talvez ria, talvez minta.
Me ponho a correr na praia.
Venha o mar! Venham cações!
Que a fortaleza me ataque!
quero das mortes a hedionda,
já sem cabeça e sem perna,
para feder: de propósito,
para os frascos de perfume.
Abre-os todos: mas de todos
eu salto, e ofendo, e sujo.
(nem se cobriu: vai chispando)
talvez se atire lá do alto.
Seu grito é: socorro! e deus.
Mas não quero nada disso.
Esconjuro se é necrófila…
Fulana é vida, ama as flores,
as artérias e as debêntures.
Sei que jamais me perdoara
Fulana quer homens fortes,
Suas unhas são elétricas,
seus beijos refrigerados,
que fez de Fulana um mito,
Que a sei embebida em leite,
carne, tomate, ginástica,
enigmas, causas primeiras.
Mas, se tentasse construir
e de tão burro esplendor?
Mudo-lhe o nome; recorto-lhe
um traje de transparência;
já perde a carência humana;
e bato-a; de tirar sangue.
de meu sonho que especula;
de um território mais justo.
de um mundo sem classes e imposto;
os nossos irmãos vingados.
de contradições extintas,
queremos… que mais queremos?
afinal nos compreendemos.
Já não sofro, já não brilhas,
da que pensava que fôssemos.)
Carlos Drummond de Andrade | "O mito".
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