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jueves, 9 de enero de 2020

The applicant

First, are you our sort of a person?
Do you wear
A glass eye, false teeth or a crutch,
A brace or a hook,
Rubber breasts or a rubber crotch,
.
Stitches to show something's missing? No, no? Then
How can we give you a thing?
Stop crying.
Open your hand.
Empty? Empty. Here is a hand
.
To fill it and willing
To bring teacups and roll away headaches
And do whatever you tell it.
Will you marry it?
It is guaranteed
.
To thumb shut your eyes at the end
And dissolve of sorrow.
We make new stock from the salt.
I notice you are stark naked.
How about this suit—
.
Black and stiff, but not a bad fit.
Will you marry it?
It is waterproof, shatterproof, proof
Against fire and bombs through the roof.
Believe me, they'll bury you in it.
.
Now your head, excuse me, is empty.
I have the ticket for that.
Come here, sweetie, out of the closet.
Well, what do you think of that?
Naked as paper to start
.
But in twenty-five years she'll be silver,
In fifty, gold.
A living doll, everywhere you look.
It can sew, it can cook,
It can talk, talk, talk.
.
It works, there is nothing wrong with it.
You have a hole, it's a poultice.
You have an eye, it's an image.
My boy, it's your last resort.
Will you marry it, marry it, marry it.
.
Sylvia Plath | "The applicant".
.

lunes, 20 de agosto de 2018

Poema para habitar

A casa desabitada que nós somos
pede que a venham habitar,
que lhe abram as portas e as janelas
e deixem passear o vento pelos corredores.
Que lhe limpem os vidros da alma
e ponham a flutuar as cortinas do sangue
— até que uma aurora simples nos visite
com o seu corpo de sol desgrenhado e quente.
Até que uma flor de incêndio rompa
o solo das lágrimas carbonizadas e férteis.
Até que as palavras de pedra que arrancamos da língua
sejam aproveitadas para apedrejarmos a morte.
.
Albano Martins | "Poema para habitar".
.

viernes, 13 de julio de 2018

Escritura

Alguna vez escribiré con piedras,
midiendo cada una de mis frases
por su peso, volumen, movimiento.
Estoy cansado de palabras.
.
No más lápiz: andamios, teodolitos,
la desnudez solar del sentimiento
tatuando en lo profundo de las rocas
su música secreta.
.
Dibujaré con líneas de guijarros
mi nombre, la historia de mi casa
y la memoria de aquel río
que va pasando siempre y se demora
entre mis venas como sabio arquitecto.
.
Con piedra viva escribiré mi canto
en arcos, puentes, dólmenes, columnas,
frente a la soledad del horizonte,
como un mapa que se abra ante los ojos
de los viajeros que no regresan nunca.
.
Eugenio Montejo | "Escritura".
.

Dar sustento a la envidia es noble hazaña

Dar sustento a la envidia es noble hazaña        
porque si ella pecando en su flaqueza        
equivoca la acción de fortaleza,        
su maliciosa calidad no extraña.        
.
No en lo imperfecto lo perfecto daña          
como de superior naturaleza        
el de origen oscuro en la nobleza        
halla blanco a las flechas de su saña.        
.
Das tanto que alabar que no pudiendo,        
como el que hace enemigos obligando,          
te niega la virtud quien no la siente.        
.
Quien más la arguye más la está diciendo        
pues muestra su flaqueza no imitando        
y así por envidioso es maldiciente.        
.
Francisco López de Zárate | "Dar sustento a la envidia es noble hazaña".
.

El que de ardiente ceguedad regido

A lo mismo
 
El que de ardiente ceguedad regido        

en alas de su llama apresurado        
iba a ser sacrificio de su agrado        
muy de la parte estaba de su olvido.        
.
Como del incendioso arpón herido         
de sí desconocido en su cuidado        
reconociese en un cristal helado        
y a su vergüenza espejo fue advertido.        
.
Vio la azucena presidiendo al hielo        
por casta de sí misma coronada         
nevando el aire de fragancia preso.        
.
Honestose a su luz, o luz del cielo        
que con hielo encendiste el alma helada        
y helaste con ardor la llama impresa.        
.
Francisco López de Zárate | "El que de ardiente ceguedad regido".
.

miércoles, 4 de julio de 2018

Los justos

Un hombre que cultiva un jardín, como quería Voltaire.
El que agradece que en la tierra haya música.
El que descubre con placer una etimología.
Dos empleados que en un café del Sur juegan un silencioso ajedrez.
El ceramista que premedita un color y una forma.
Un tipógrafo que compone bien esta página, que tal vez no le agrada.
Una mujer y un hombre que leen los tercetos finales de cierto canto.
El que acaricia a un animal dormido.
El que justifica o quiere justificar un mal que le han hecho.
El que agradece que en la tierra haya Stevenson.
El que prefiere que los otros tengan razón.
Esas personas, que se ignoran, están salvando el mundo.
.
Jorge Luis Borges | "Los justos".
.

Os trabalhos e os dias

Sento-me à mesa como se a mesa fosse o mundo inteiro
e principio a escrever como se escrever fosse respirar
o amor que não se esvai enquanto os corpos sabem
de um caminho sem nada para o regresso da vida.
.
À medida que escrevo, vou ficando espantado
com a convicção que a mínima coisa põe em não ser nada.
Na mínima coisa que sou, pôde a poesia ser hábito.
Vem, teimosa, com a alegria de eu ficar alegre,
quando fico triste por serem palavras já ditas
estas que vêm, lembradas, doutros poemas velhos.
.
Uma corrente me prende à mesa em que os homens comem.
E os convivas que chegam intencionalmente sorriem
e só eu sei porque principiei a escrever no princípio do mundo
e desenhei uma rena para a caçar melhor
e falo da verdade, essa iguaria rara:
este papel, esta mesa, eu apreendendo o que escrevo.
.
Jorge de Sena | "Os trabalhos e os dias".
.

viernes, 29 de junio de 2018

Tríptico

I
.
Transforma-se o amador na coisa amada com seu
feroz sorriso, os dentes,
as mãos que relampejam no escuro. Traz ruído
e silêncio. Traz o barulho das ondas frias
e das ardentes pedras que tem dentro de si.
E cobre esse ruído rudimentar com o assombrado
silêncio da sua última vida.
O amador transforma-se de instante para instante,
e sente-se o espírito imortal do amor
criando a carne em extremas atmosferas, acima
de todas as coisas mortas.
.
Transforma-se o amador. Corre pelas formas dentro.
E a coisa amada é uma baía estanque.
É o espaço de um castiçal,
a coluna vertebral e o espírito
das mulheres sentadas.
Transforma-se em noite extintora.
Porque o amador é tudo, e a coisa amada
é uma cortina
onde o vento do amador bate no alto da janela
aberta. O amador entra
por todas as janelas abertas. Ele bate, bate, bate.
O amador é um martelo que esmaga.
Que transforma a coisa amada.
.
Ele entra pelos ouvidos, e depois a mulher
que escuta
fica com aquele grito para sempre na cabeça
a arder como o primeiro dia do verão. Ela ouve
e vai-se transformando, enquanto dorme, naquele grito
do amador.
Depois acorda, e vai, e dá-se ao amador,
dá-lhe o grito dele.
E o amador e a coisa amada são um único grito
anterior de amor.
.
E gritam e batem. Ele bate-lhe com o seu espírito
de amador. E ela é batida, e bate-lhe
com o seu espírito de amada.
Então o mundo transforma-se neste ruído áspero
do amor. Enquanto em cima
o silêncio do amador e da amada alimentam
o imprevisto silêncio do mundo
e do amor.
.
II
.
Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
— eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.
.
Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
— E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
— não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
.
Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço —
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave — qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,
que te procuram.
.
III
.
Todas as coisas são mesa para os pensamentos
onde faço minha vida de paz
num peso íntimo de alegria como um existir de mão
fechada puramente sobre o ombro.
— Junto a coisas magnânimas de água
e espíritos,
a casas e achas de manso consumindo-se,
ervas e barcos altos — meus pensamentos criam-se
com um outrora lento, um sabor
de terra velha e pão diurno.
.
E em cada minuto a criatura
feliz do amor, a nua criatura
da minha história de desejo,
inteiramente se abre em mim como um tempo,
uma pedra simples,
ou um nascer de bichos num lugar de maio.
.
Ela explica tudo, e o vir para mim —
como se levantam paredes brancas
ou se dão festas nos dedos espantados das crianças
— é a vida ser redonda
com seus ritmos sobressaltados e antigos.
Tudo é trigo que se coma e ela
é o trigo das coisas,
o último sentido do que acontece pelos dias dentro.
Espero cada momento seu
como se espera o rebentar das amoras
e a suave loucura das uvas sobre o mundo.
— E o resto é uma altura oculta,
um leite e uma vontade de cantar.
.
Herberto Helder | "Tríptico".
.

miércoles, 20 de junio de 2018

Esta mão que escreve a ardente melancolia

(a carta da paixão)
.
Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os seus recessos negros
onde se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se: o mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, essa lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponto a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.
 .
Herberto Helder | "Esta mão que escreve a ardente melancolia".
.

Lectura en un colegio

Más vale que no sepan para qué
sirve leer poesía, si algunos aún la leen.
No les expliques,
calla,
que no sepan
que su belleza no es neutral, que hace
insoportables la crueldade, la idiotez y el ruido
y por eso nos vuelve solitarios.
.
Algunos aún la leen.
Si te preguntan
qué es o para qué, tartamudea,
contesta imprecisiones, y sonríe.
Más tarde, cuando tengan el alma en carne viva
y hayan llorado mucho, recordarán que tú
pudiste hacerlo y no les previniste,
y te darán las gracias.
.
Enrique García-Máiquez | "Lectura en un colegio".
.

jueves, 14 de junio de 2018

Parte poética

Não é fácil ser poeta a tempo inteiro.
Eu, por exemplo, nem cinco minutos
por dia, pois levanto-me tarde e primeiro
há que lavar os dentes, suportar os incisivos
à face do espelho, pentear a cabeça e depois,
a poeira que caminha, o massacre dos culpados,
assistir de olhos frios à refrega dos centauros.
.
E chegar à noite a casa para a prosa do jantar,
o estrondo das notícias, a louça por lavar.
Concluindo, só pelas duas da manhã
começo a despir o fato de macaco, a deixar
as imagens correr, simulacro do desastre.
Mas entretanto já é hora de dormir.
Mais um dia de estrume para roseira nenhuma.
.
José Miguel Silva | "Parte poética".
.

Musa, vai chatear o Camões

Musa, sinceramente, vai chatear o Camões.
Que podem os poetas, diz-me, contra marketeers,
aguados humoristas e outros promotores
da realidade? Eu sei que não identificas real
com verdadeiro, nem sequer com existente,
mas que valor pode ter uma metáfora sem preço,
por brilhante que seja, neste mundo de gritos,
de sementes apagadas em lameiros de cimento?
Tu não vês o telejornal, Musa? Nunca ouviste
falar da impermeabilização dos solos na cidade
de Deus, do entupimento das artérias cerebrais?
Pensas que estás no século XIX? Mais, julgas-te
capaz de competir com traficantes de desejos,
decibéis e abraços? És capaz de fazer rir um
desempregado, de excitar um espírito impotente?
Consegues marcar golos «geniais» como o Ricardo
Quaresma, proteger do frio as andorinhas,
transportar as crianças à escola? Se achas que sim,
faz-te à onda do mercado, Musa, e boa sorte.
Mas não contes comigo pra te levar à praia.
Sabes perfeitamente que detesto areia, sol
na testa e mariolas de calção. Vá, não me maces.
Pela parte que me toca, ficamos por aqui.

.
José Miguel Silva | "Musa, vai chatear o Camões".
.

jueves, 31 de mayo de 2018

Morte e vida severina — Auto de Natal pernambucano

FALAM OS VIZINHOS, AMIGOS, PESSOAS QUE
VIERAM COM PRESENTES ETC.
.
— De sua formosura
já venho dizer:
é um menino magro,
de muito peso não é,
mas tem o peso de homem,
de obra de ventre de mulher.
— De sua formosura
deixai-me que diga:
é uma criança pálida,
é uma criança franzina,
mas tem a marca de homem,
marca de humana oficina.
— Sua formosura
deixai-me que cante:
é um menino guenzo
como todos os desses mangues,
mas a máquina de homem
já bate nele, incessante.
— Sua formosura
eis aqui descrita:
é uma criança pequena,
enclenque e setemesinha,
mas as mãos que criam coisas
nas suas já se adivinha.
.
— De sua formosura
deixai-me que diga:
é belo como o coqueiro
que vence a areia marinha.
— De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como o avelós
contra o Agreste de cinza.
— De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como a palmatória
na caatinga sem saliva.
— De sua formosura
deixai-me que diga:
é tão belo como um sim
numa sala negativa.
.
— É tão belo como a soca
que o canavial multiplica.
— Belo porque é uma porta
abrindo-se em mais saídas.
— Belo como a última onda
que o fim do mar sempre adia.
— É tão belo como as ondas
em sua adição infinita.
.
— Belo porque tem do novo
a surpresa e a alegria.
— Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.
— Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia.
— Ou como o caderno novo
quando a gente o principia.
.
— E belo porque com o novo
todo o velho contagia.
— Belo porque corrompe
com sangue novo a anemia.
— Infecciona a miséria
com vida nova e sadia.
— Com oásis, o deserto,
com ventos, a calmaria.
.
.

O CARPINA FALA COM O RETIRANTE QUE ESTEVE
DE FORA, SEM TOMAR PARTE EM NADA
.
— Severino retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina;
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.

.
João Cabral de Melo Neto | "Morte e vida severina".
[Fragmento]

.

lunes, 19 de marzo de 2018

Grand finale

Difícil depor um amor.
Convencido de que a saída
é assassiná-lo,
o arqueiro toma posição.
E ao sinal imperceptível
de algum deus,
dispara a flecha incendiária
em direção ao sol.
.
Antonio Risério | "Grand finale".
.

Fim de caso 3

onde quer
que você     
me esqueça
.
que eu
apareça
e cresça
.
fantasia
espessa
.
doendo
densa
.
na sua
cabeça
.
Antonio Risério | "Fim de caso 3".
.

martes, 6 de marzo de 2018

Numanoite

Incêndio no céu.
Tudo em fogo, fogo frio.
Tua alma, Marina, ficará
retida nalguma alfândega astral.
Eu, macaco-da-noite, continuarei
ouvindo a música das exferas.
Vou riscar a nata da Via-Láctea.
Arrematar a moça que mata
com seus ossos azuis
e seus pentelhos de prata.
.
Mas há também o impossível, Marina.
Impossível dar conta
de pé na ponta de mais um maio
(depraved May, Christ the Tyger)
de tantos ventos, raios, eventos.
Não há tempo, Marina. O céu vai desabar.
A mata celeste cairá
sobre a minha cabeça.
.
Impossível, doce e dura criança,
saber de todos os lugares.
Algures, entre mulheres e jaguares,
espectros esperam,
corpos caem,
esquinas esquecem.
E é assim mesmo, Marina.
Incêndio no céu.
Tudo em fogo, fogo frio.
.
Afago a luz do quartzo.
Escureço.
.
Antonio Risério | "Numanoite".
.

Vers

*
.
amor que parte o claro riso
em querer desmedido
e recusa insana
.
amor que me toma
como um carrossel de sóis
e um girassol de lâmpadas
.
vê se me alumia
me esclarece
me doma
.
**
.
) sim não simnão nim são sins (
.
eis que não me sei
ser menos que seis
toda e cada vez
.
) sim não simnão nim são sins (
.
***
.
amor que vence os tigres
vê se vence a mim
.
e me arrasa e me ilumina
.
para que eu saiba
saber o sim
.
Antonio Risério | "Vers".
.

Oca

Cava o passado.
Cava e escava,
escravo.
Cava o chão
do passado.
.
Erra na terra deserta.
Vela a vila desaparecida.
Deita na aldeia abandonada.
Chora na cidade fantasma.
.
Mas cava, escravo.
Cava e escava o passado.
Cava a esmo no ermo.
Cava o mesmo no mesmo.
.
(O alucinado sempre
repetindo o filme;
o criminoso sempre
no local do crime.)
.
Lavra, sulca, escarva.
.
E assim até chegar
ao carvão mais vivo
do ébrio coração escândalo
que brilho ainda resta:
.
uma chama na montanha,
outro fogo na floresta.
.
Antonio Risério | "Oca".
.

Desnuda

Ahora sí
les devuelvo sus harapos
.
ya no llevo la cuerda de sus nombres
anudada en la memoria.
.
Alicia Perrig | "Desnuda".
.

miércoles, 28 de febrero de 2018

Momento

O vento corta os seres pelo meio.
Só um desejo de nitidez ampara o mundo…
Faz sol. Fez chuva. E a ventania
Esparrama os trombones das nuvens no azul.
.
Ninguém chega a ser um nesta cidade,
As pombas se agarram nos arranha-céus, faz chuva.
Faz frio. E faz angústia… É este vento violento
Que arrebenta dos grotões da terra humana
Exigindo céu, paz e alguma primavera.

.
Mário de Andrade | "Momento".
.