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miércoles, 29 de noviembre de 2017

Possibilidades

Prefiro cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos sobre o Warta.
Prefiro Dickens a Dostoiévski.
Prefiro-me gostando das pessoas
do que amando a humanidade.
Prefiro ter agulha e linha à mão.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não achar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as exceções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar sobre outra coisa com os médicos.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não escrevê-los.
Prefiro, no amor, os aniversários não marcados,
para celebrá-los todos os dias.
Prefiro os moralistas
que nada me prometem.
Prefiro a bondade astuta à confiante demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos conquistadores.
Prefiro guardar certa reserva.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os contos de Grimm às manchetes dos jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães sem a cauda cortada.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muitas coisas que não mencionei aqui
a muitas outras também não mencionadas.
Prefiro os zeros soltos
do que postos em fila para formar cifras.
Prefiro o tempo dos insetos ao das estrelas.
Prefiro bater na madeira.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro ponderar a própria possibilidade
do ser ter sua razão. 
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Wislawa Szymborska | "Possibilidades".
(Tradução Regina Przybycien)
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viernes, 18 de agosto de 2017

Filme — anos sessenta

Este homem adulto. Este homem na terra.
Dez bilhões de células nervosas.
Cinco litros de sangue para trezentos gramas de coração.
Esse objeto se desenvolveu por três bilhões de anos.
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No princípio apareceu na forma de um garotinho.
O garotinho colocava a cabeça nos joelhos da titia.
Onde está esse garotinho. Onde, esses joelhos.
O garotinho cresceu. Ah, já não é a mesma coisa.
Estes espelhos são cruéis e lisos como asfalto.
Ontem atropelou um gato. Esta sim foi uma ideia.
O gato foi libertado do inferno desta época.
A moça no automóvel lhe lançou um olhar.
Não, não tinha aqueles joelhos que ele buscava.
Na verdade, queria era respirar fundo deitado na areia.
Ele e o mundo nada têm em comum.
Sente-se a asa quebrada de um jarro,
embora o jarro não saiba disso e continue a levar a água.
É extraordinário. Alguém ainda labuta.
Esta casa está construída. Esta maçaneta, esculpida.
Esta árvore, enxertada. Este circo vai fazer seu show.
O todo almeja se manter inteiro embora esteja em pedaços.
Como cola, pesadas e espessas sunt lacrimae rerum.
Mas tudo isso ao fundo e só ao lado.
Nele há uma escuridão terrível e na escuridão um garotinho.
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Deus do humor, faz dele alguma coisa sem falta.
Deus do humor, faz dele alguma coisa por fim.
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Wislawa Szymborska | "Filme — anos sessenta".
(Tradução Regina Przybycien)
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miércoles, 9 de agosto de 2017

Desatenção

Ontem me comportei mal no universo.
Vivi o dia inteiro sem indagar nada,
sem estranhar nada.
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Executei as tarefas diárias
como se isso fosse tudo o que devia fazer.
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Inspirar, expirar, um passo, outro passo, obrigações,
mas sem um pensamento que fosse
além de sair de casa e voltar para casa.
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O mundo podia ter sido percebido como um mundo louco,
e eu o tomei somente para uso habitual.
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Nenhum — como — e por quê
e como foi que aqui apareceu
e de que lhes servem tantas minúcias buliçosas.
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Fiquei como um prego mal pregado na parede
ou
(aqui uma comparação que me faltou).
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Uma depois da outra ocorreram mudanças
mesmo no estrito espaço de um pestanejar.
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Sobre uma mesa mais nova, por mão um dia mais nova,
o pão de ontem foi cortado de um modo diferente.
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Nuvens como nunca, uma chuva como nunca,
pois caíram gotas diferentes.
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A Terra girou em torno de seu eixo,
mas num espaço já abandonado para sempre.
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Isso durou umas boas 24 horas.
1440 minutos de chances.
86 400 segundos para intuições.
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O savoir-vivre cósmico,
embora se cale sobre nós,
ainda assim nos exige algo:
alguma atenção, umas frases de Pascal
e uma participação perplexa nesse jogo
de regras desconhecidas.
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 Wislawa Szymborska | "Desatenção".
(Tradução
Regina Przybycien)
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Salmo

Oh, como são permeáveis as fronteiras dos países!
Quantas nuvens flutuam impunemente sobre elas,
quanta areia do deserto passa de um país a outro,
quantas pedras da montanha rolam para terras alheias
com saltos desafiadores.
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Devo mencionar um a um cada pássaro que voa
ou que pousa na barreira abaixada da fronteira?
Se fosse um pardal a cauda já estaria no exterior
e o bico ainda na pátria. E além do mais, como se agita!
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Entre os inúmeros insetos, me limitarei à formiga
que entre a bota esquerda e a direita do guarda
não se sente obrigada a responder à pergunta de onde? para onde?
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Oh, abranger com um único olhar essa confusão
sobre todos os continentes!
Pois não é a alfena da outra margem que
contrabandeia pelo rio sua centésima-milésima folha?
E quem, senão o polvo de longos braços impertinentes,
viola os limites sagrados das águas territoriais?
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E como se pode falar de uma ordem qualquer,
se nem dá para separar as estrelas
para saber qual brilha para quem?
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E esse condenável dispersar da neblina!
E o pó que pousa sobre toda a estepe,
como se ela não estivesse dividida ao meio!
E o ressoar das vozes nas complacentes ondas do ar:
pipilos apelativos e gorgolejos sedutores!
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Só o que é humano pode ser verdadeiramente estrangeiro.
O resto é bosque misto, trabalho de toupeira e vento.
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Wislawa Szymborska | "Salmo".
(Tradução Regina Przybycien)
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domingo, 30 de julio de 2017

Ópera bufa

Primeiro passará o nosso amor,
depois cem, duzentos anos,
depois nos encontraremos de novo:
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um casal de comediantes,
os favoritos do público,
vai nos representar no teatro.
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Uma pequena farsa com canções,
um pouco de dança, muito riso,
uma boa comédia de costumes
e aplausos.
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Você irresistivelmente cômico
nesse palco, com esse ciúme
e essa gravata.
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Minha cabeça virada,
meu coração e coroa,
o coração tolo rebentando
e a coroa despencando.
.
Vamos nos encontrar,
afastar, a sala rindo sem parar,
e sete rios, sete montes
entre nós imaginar.
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E como se não bastassem
os fracassos e as dores da vida
nos feriremos com palavras.
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Depois faremos mesuras
e com a farsa terminada,
o público irá dormir
depois de muita risada.
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Eles vão viver contentes,
o amor vão amansar,
o tigre vai comer nas suas mãos.
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E nós sempre assim desse jeito,
nós de barretes com guizos,
com seu tinido bárbaro
nos nossos ouvidos.
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Wislawa Szymborska | "Ópera bufa".
(Tradução Regina Przybycien)
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domingo, 2 de julio de 2017

Consolação

Darwin.
Dizem que para relaxar lia romances.
Mas tinha uma exigência:
não podiam acabar mal.
Se achasse um assim,
atirava-o ao fogo com fúria.
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Verdade ou não
sou propensa a acreditar.
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Percorrendo com a mente tantos espaços e tempos
saturou-se de ver tantas espécies extintas,
tantos triunfos dos mais fortes sobre os mais fracos,
tamanhas tentativas de sobrevivência,
mais cedo ou mais tarde inúteis,
que pelo menos da ficção
e sua microescala
tinha direito de exigir um happy end.
.
Portanto, necessariamente: um raio de sol entre as nuvens,
os amantes juntos de novo, famílias reconciliadas,
dúvidas dissipadas, fidelidade recompensada,
bens recuperados, tesouros desenterrados,
vizinhos arrependidos de sua birra,
o bom nome devolvido, a avareza envergonhada,
solteironas casadas com respeitáveis pastores,
intrigantes deportados para o outro hemisfério,
falsificadores de documentos jogados das escadas,
sedutores de donzelas a correr para o altar,
órfãos acolhidos, viúvas confortadas,
o orgulho humilhado, feridas cicatrizadas,
filhos pródigos convidados à mesa,
o cálice de amargura derramado ao mar,
lenços molhados das lágrimas de reconciliação,
canto e música gerais,
e o cãozinho Fido,
perdido já no primeiro capítulo,
que corra de novo pela casa
latindo de alegria.
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 Wislawa Szymborska | "Consolação".
(Tradução
Regina Przybycien)
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martes, 2 de mayo de 2017

Sobre a morte sem exagero

Não entende de piadas,
de estrelas, de pontes,
de tecer, minerar, lavrar a terra,
de construir navios e assar bolos.
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Quando falamos de planos para amanhã
intromete sua última palavra
sem nada a ver com o assunto.
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Não sabe sequer as coisas
diretamente ligadas a seu ofício:
nem cavar uma cova,
nem fazer um caixão,
nem arrumar a desordem que deixa.
.
Ocupada em matar,
o faz de modo canhestro,
sem método nem mestria,
como se em cada um de nós estivesse aprendendo.
.
Triunfos, vá lá,
mas quantas derrotas,
golpes falhos
e tentativas repetidas de novo!
.
Às vezes lhe faltam forças
para fazer cair uma mosca do ar.
Mais de uma lagarta
rastejando a vence na corrida.
.
Todos esses bulbos, grãos,
tentáculos, barbatanas, traqueias,
plumagens nupciais e pelame de inverno
testemunham atrasos
no seu trabalho tedioso.
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A má vontade não basta,
e mesmo nossa ajuda com guerras e revoluções
é, até aqui, insuficiente.
.
Corações batem nos ovos.
Crescem os esqueletos dos bebês.
Das sementes brotam duas primeiras folhinhas,
e amiúde também árvores altas no horizonte.
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Quem afirma que ela é onipotente
é ele mesmo a prova viva
de que onipotente ela não é.
Não há vida
que pelo menos por um momento
não tenha sido imortal.
.
A morte
chega sempre atrasada àquele momento.
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Em vão força a maçaneta
de uma porta invisível.
A ninguém pode subtrair
o tempo alcançado.
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Wislawa Szymborska | "Sobre a morte sem exagero
".
(Tradução
Regina Przybycien)
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