martes, 2 de mayo de 2017

Sobre a morte sem exagero

Não entende de piadas,
de estrelas, de pontes,
de tecer, minerar, lavrar a terra,
de construir navios e assar bolos.
.
Quando falamos de planos para amanhã
intromete sua última palavra
sem nada a ver com o assunto.
.
Não sabe sequer as coisas
diretamente ligadas a seu ofício:
nem cavar uma cova,
nem fazer um caixão,
nem arrumar a desordem que deixa.
.
Ocupada em matar,
o faz de modo canhestro,
sem método nem mestria,
como se em cada um de nós estivesse aprendendo.
.
Triunfos, vá lá,
mas quantas derrotas,
golpes falhos
e tentativas repetidas de novo!
.
Às vezes lhe faltam forças
para fazer cair uma mosca do ar.
Mais de uma lagarta
rastejando a vence na corrida.
.
Todos esses bulbos, grãos,
tentáculos, barbatanas, traqueias,
plumagens nupciais e pelame de inverno
testemunham atrasos
no seu trabalho tedioso.
.
A má vontade não basta,
e mesmo nossa ajuda com guerras e revoluções
é, até aqui, insuficiente.
.
Corações batem nos ovos.
Crescem os esqueletos dos bebês.
Das sementes brotam duas primeiras folhinhas,
e amiúde também árvores altas no horizonte.
.
Quem afirma que ela é onipotente
é ele mesmo a prova viva
de que onipotente ela não é.
Não há vida
que pelo menos por um momento
não tenha sido imortal.
.
A morte
chega sempre atrasada àquele momento.
.
Em vão força a maçaneta
de uma porta invisível.
A ninguém pode subtrair
o tempo alcançado.
.
Wislawa Szymborska | "Sobre a morte sem exagero
".
(Tradução
Regina Przybycien)
.

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