Mostrando las entradas con la etiqueta Manuel Bandeira. Mostrar todas las entradas
Mostrando las entradas con la etiqueta Manuel Bandeira. Mostrar todas las entradas

jueves, 10 de agosto de 2017

Canção

Mandaste a sombra de um beijo
Na brancura de um papel:
Tremi de susto e desejo,
Beijei chorando o papel.
.
No entanto, deste o teu beijo
A um homem que não amavas!
Esqueceste o meu desejo
Pelo de quem não amavas!
.
Da sombra daquele beijo
Que farei, se a tua boca
É dessas que sem desejo
Podem beijar outra boca?
.
Manuel Bandeira | "Canção".
.

domingo, 30 de abril de 2017

Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
.
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
— Respire.
...................................................................................................
.
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
.
Manuel Bandeira | "Pneumotórax".
.

Carinho triste

A tua boca ingênua e triste
E voluptuosa, que eu saberia fazer
Sorrir em meio dos pesares e chorar em meio das alegrias,
A tua boca ingênua e triste
É dele quando ele bem quer.
.
Os teus seios miraculosos,
Que aumentaram sem perder
O precário frescor da pubescência,
Teus seios, que são como os seios intactos das virgens,
São dele quando ele bem quer.
.
O teu claro ventre,
Onde como no ventre da terra ouço bater
O mistério de novas vidas e de novos pensamentos,
Teu ventre, cujo contorno tem a pureza da linha de mar e céu ao pôr do sol,
É dele quando ele bem quer.
.
Só não é dele a tua tristeza.
Tristeza dos que perderam o gosto de viver.
Dos que a vida traiu impiedosamente.
Tristeza de criança que se deve afagar e acalentar.
(A minha tristeza também!...)
Só não é dele a tua tristeza, ó minha triste amiga!
Porque ele não a quer.
.
Manuel Bandeira | "Carinho triste".
.

viernes, 7 de abril de 2017

Neologismo

Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo:
Teadoro, Teodora.
.
Manuel Bandeira | "Neologismo".
.

viernes, 31 de marzo de 2017

Belo belo

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.
.
Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo que foi? passou de tantas estrelas cadentes.
.
A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.
.
O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.
.
Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.
.
Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.
.
As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.
.
Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.
.
Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.
.
Manuel Bandeira | "Belo belo".
.

miércoles, 29 de marzo de 2017

Canção do vento e da minha vida

O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas.
.
O vento varria as luzes,
O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De aromas, de estrelas, de cânticos.
.
O vento varria os sonhos
E varria as amizades...
O vento varria as mulheres...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De afetos e de mulheres.
.
O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos...
O vento varria tudo!
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.
.
Manuel Bandeira | "Canção do vento e da minha vida".
.

domingo, 12 de marzo de 2017

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor
.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo
.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
.
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo
.
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.
.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
.
Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
.
Manuel Bandeira | "Poética".
.

Os sapos

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
"Meu pai foi à guerra!"
"Não foi!" "Foi!" "Não foi!"
.
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: "Meu cancioneiro
É bem martelado.
.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
.
Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
"Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
.
Urra o sapo-boi:
"Meu pai foi rei!" "Foi!"
"Não foi!" "Foi!" "Não foi!"
.
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
"A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo."
.
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
"Sei!" "Não sabe!" "Sabe!"
.
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
.
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
.
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
.
Manuel Bandeira | "Os sapos".
.

Nova poética

Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
Poeta sórdido:
Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.
.
Vai um sujeito,
Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada, e na primeira esquina passa um caminhão, salpica-lhe o paletó ou a calça de uma nódoa de lama:
.
É a vida.
.
O poema deve ser como a nódoa no brim:
Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.
.
Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade.
.
Manuel Bandeira | "Nova poética".
.

O último poema

Assim eu quereria o meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
.
Manuel Bandeira | "O último poema".
.

miércoles, 8 de marzo de 2017

Preparação para a morte

A vida é um milagre.
Cada flor,
Com sua forma, sua cor, seu aroma,
Cada flor é um milagre.
Cada pássaro,
Com sua plumagem, seu vôo, seu canto,
Cada pássaro é um milagre.
O espaço, infinito,
O espaço é um milagre.
O tempo, infinito,
O tempo é um milagre. 
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.
.
Manuel Bandeira | "Preparação para a morte".
.

Vontade de morrer

Não é que não me fales aos sentidos,
À inteligência, o instinto, o coração:
Falas demais até, e com tal suasão,
Que para não te ouvir selo os ouvidos.
.
Não é que sinta gastos e abolidos
Força e gosto de amar, nem haja a mão,
Na dos anos penosa sucessão,
Desaprendido os jogos aprendidos.
.
E ainda que tudo em mim murchado houvera,
Teu olhar saberia, senão quando,
Tudo alertar em nova primavera.
.
Sem ambições de amor ou de poder,
Nada peço nem quero e — entre nós — ando
Com uma grande vontade de morrer.
.
Manuel Bandeira | "Vontade de morrer".
.