miércoles, 9 de agosto de 2017

Salmo

Oh, como são permeáveis as fronteiras dos países!
Quantas nuvens flutuam impunemente sobre elas,
quanta areia do deserto passa de um país a outro,
quantas pedras da montanha rolam para terras alheias
com saltos desafiadores.
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Devo mencionar um a um cada pássaro que voa
ou que pousa na barreira abaixada da fronteira?
Se fosse um pardal a cauda já estaria no exterior
e o bico ainda na pátria. E além do mais, como se agita!
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Entre os inúmeros insetos, me limitarei à formiga
que entre a bota esquerda e a direita do guarda
não se sente obrigada a responder à pergunta de onde? para onde?
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Oh, abranger com um único olhar essa confusão
sobre todos os continentes!
Pois não é a alfena da outra margem que
contrabandeia pelo rio sua centésima-milésima folha?
E quem, senão o polvo de longos braços impertinentes,
viola os limites sagrados das águas territoriais?
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E como se pode falar de uma ordem qualquer,
se nem dá para separar as estrelas
para saber qual brilha para quem?
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E esse condenável dispersar da neblina!
E o pó que pousa sobre toda a estepe,
como se ela não estivesse dividida ao meio!
E o ressoar das vozes nas complacentes ondas do ar:
pipilos apelativos e gorgolejos sedutores!
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Só o que é humano pode ser verdadeiramente estrangeiro.
O resto é bosque misto, trabalho de toupeira e vento.
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Wislawa Szymborska | "Salmo".
(Tradução Regina Przybycien)
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