Este homem adulto. Este homem na terra.
Dez bilhões de células nervosas.
Cinco litros de sangue para trezentos gramas de coração.
Esse objeto se desenvolveu por três bilhões de anos.
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No princípio apareceu na forma de um garotinho.
O garotinho colocava a cabeça nos joelhos da titia.
Onde está esse garotinho. Onde, esses joelhos.
O garotinho cresceu. Ah, já não é a mesma coisa.
Estes espelhos são cruéis e lisos como asfalto.
Ontem atropelou um gato. Esta sim foi uma ideia.
O gato foi libertado do inferno desta época.
A moça no automóvel lhe lançou um olhar.
Não, não tinha aqueles joelhos que ele buscava.
Na verdade, queria era respirar fundo deitado na areia.
Ele e o mundo nada têm em comum.
Sente-se a asa quebrada de um jarro,
embora o jarro não saiba disso e continue a levar a água.
É extraordinário. Alguém ainda labuta.
Esta casa está construída. Esta maçaneta, esculpida.
Esta árvore, enxertada. Este circo vai fazer seu show.
O todo almeja se manter inteiro embora esteja em pedaços.
Como cola, pesadas e espessas sunt lacrimae rerum.
Mas tudo isso ao fundo e só ao lado.
Nele há uma escuridão terrível e na escuridão um garotinho.
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Deus do humor, faz dele alguma coisa sem falta.
Deus do humor, faz dele alguma coisa por fim.
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(Tradução Regina Przybycien)
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Wislawa Szymborska | "Filme — anos sessenta".
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