Ambos estão convencidos
que os uniu uma paixão súbita.
É bela esta certeza,
mas a incerteza é mais bela ainda.
.
Julgam que por não se terem encontrado antes,
nada entre eles nunca ainda se passara.
E que diriam as ruas, as escadas, os corredores
onde se podem há muito ter cruzado?
.
Gostaria de lhes perguntar
se não se lembram —
talvez nas portas giratórias,
um dia, face a face
algum "desculpe" num grande aperto de gente?
uma voz de que "é engano" ao telefone?
— mas sei o que respondem.
Não, não se lembram.
.
Muito os admiraria
saber que desde há muito
se divertia com eles o acaso.
.
Ainda não completamente preparado
para se transformar em destino para eles,
aproximou-os e afastou-os,
barrou-lhes o caminho
e, abafando as gargalhadas,
lá seguiu saltando ao lado deles.
.
Houve marcas, sinais,
que importa se ilegíveis.
.
Haverá talvez três anos
ou terça-feira passada,
certa folhinha esvoaçante
de um braço a outro braço.
Algo que se perdeu e encontrou?
Quem sabe se já uma bola
nos silvados da infância?
.
Punhos de poeta e campainhas
onde a seu tempo o toque
de uma mão tocou o outro toque.
As malas lado a lado no depósito.
Talvez acaso até um mesmo sonho
que logo o acordar desvaneceu.
.
Porque cada início
é só continuação,
e o livro das ocorrências
está sempre aberto ao meio.
.
(Tradução Júlio Sousa Gomes)
.
Wislawa Szymborska | "Amor à primeira vista".
.
No hay comentarios.:
Publicar un comentario