sábado, 22 de abril de 2017

Prólogo a uma comédia

Fez para si um violino de vidro porque queria ver a música. Arrastou um barco até o cimo da montanha e esperou que o mar chegasse até ele. De noite se deleitava lendo a "Tabela de horários dos trens"; os terminais o comoviam até às lágrimas. Cultivava rosas com "z". Escreveu um poema para crescer o cabelo e depois mais outro. Quebrou o relógio da torre da prefeitura para suspender para sempre a queda das folhas das árvores. Num vaso de cebolinhas quis desenterrar uma cidade. Caminhava com a Terra presa ao pé, lentamente, sorridente, feliz, como dois e dois são dois. Quando lhe foi dito que de fato não existe, não podendo morrer de tristeza precisou nascer. Vive por aí, pisca os olhos e cresce. Na hora exata! Num bom momento! Para Nossa Senhora da Misericórdia, a Doce Máquina Sensata em breve será útil, vai trazer um bufão para seu merecido prazer e conforto inocente.
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Wislawa Szymborska | "Prólogo a uma comédia".
(Tradução Regina Przybycien)
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